i.6. Triunfo do Atomismo

Durante os últimos cinqüenta anos nós obtivemos a “evidência experimental da existência real de corpúsculos discretos”. Existe um grande número de observações interessantes que nós não poderemos resumir aqui, e que os atomistas, no fim do século XIX, não antecipariam nem nos seus sonhos mais desvairados. Nós podemos ver, com nossos próprios olhos, os traços lineares gravados dos trajetos de partículas elementares únicas na “Câmara de Nuvens” de Wilson (1) e em emulsões fotográficas. Nós temos os instrumentos (contadores Geiger) que respondem com um clique audível a uma única partícula de raio cósmico que entre no instrumento. Além disso, se o instrumento possuir um medidor elétrico tal que, a cada clique, o medidor avance uma unidade, então ele contará o número das partículas que chegam num certo intervalo de tempo. Tais contagens executadas por métodos diferentes e sob circunstâncias variadas estão em total acordo entre si, e com as teorias atômicas desenvolvidas muito antes que estas evidências diretas estivessem disponíveis. Os grandes atomistas, de Demócrito até Dalton, no século XVIII, Maxwell (2) e Boltzmann (3), no século XIX, entrariam em êxtase frente às provas palpáveis de suas teorias.
Mas, ao mesmo tempo, a teoria atômica moderna está mergulhada em uma crise. Não há nenhuma dúvida de que a teoria de uma partícula simples é demasiado ingênua. E isto não é de se espantar, se levarmos em contas as especulações que propusemos sobre a origem do atomismo. Se elas estiverem corretas, o atomismo foi forjado então como uma arma para superar as dificuldades do continuum matemático, do qual, como nós vimos, Demócrito estava inteiramente ciente. Para ele, o atomismo foi o meio para unir o golfo que separa os corpos reais da Física das formas geométricas idealizadas da Matemática pura. Mas não somente para Demócrito. De certa maneira o atomismo executou uma tarefa através da sua longa historia: a tarefa de facilitar nosso raciocínio sobre corpos palpáveis. Um pedaço de matéria é resolvido, em nosso pensamento, num grande número de constituintes, contudo finito. Nós podemos imaginar a contagem deles, quando, ao mesmo tempo, somos incapazes de dizer o número dos pontos existentes numa linha reta de um centímetro de comprimento. Nós podemos contar, mentalmente, o número de impactos mútuos num intervalo de tempo. Quando o hidrogênio e o cloro se unem para formar o ácido clorídrico, nós podemos, em nossa mente, emparelhar os dois tipos de átomos e pensar que cada par se une para dar forma a um pequeno novo corpo, uma molécula de um composto. Esta contagem, este emparelhamento, toda esta maneira de pensar jogou um papel proeminente na descoberta dos teoremas físicos mais importantes. Seria impossível, neste sentido, pensar a matéria como uma geléia contínua e desestruturada. Assim, o atomismo provou ser infinitamente proveitoso. Contudo, quanto mais pensamos sobre o Atomismo, menos ficamos com a impressão de que se trata de uma verdadeira teoria.
É realmente fundado, exclusivamente, numa estrutura objetiva “do mundo real em torno de nós”? Não seria uma maneira importante, condicionada pela natureza do ser humano, de entender – que Kant (4) chamaria de “a priori”?
É benéfico para nós, assim acredito, preservar a mente extremamente aberta para as provas palpáveis da existência de partículas individuais, sem diminuir nossa admiração profunda para o gênio daqueles experimentadores que nos forneceram esta riqueza de conhecimento. Eles estão aumentando-o dia após dia e ajudando-nos, desse modo, a alterar a situação com respeito ao triste fato de que nossa compreensão teórica sobre o assunto, arrisco-me a dizer, diminui quase na mesma velocidade.
Vou concluir este capítulo citando alguns fragmentos agnósticos e céticos de Demócrito, que mais me impressionaram. A tradução segue a de Cyril Bailey(5).

( fragmento 6) Um homem deve aprender neste princípio que ele está distante da verdade.

( fr. 7) Nós não sabemos nada verdadeiramente sobre qualquer coisa, mas, para cada um de nós, a opinião do outro é um influxo (isto é, lhe feito saber por um influxo de “imagens” vindo de fora).

( fr. 8) Aprender verdadeiramente o que cada coisa é, é uma matéria incerta.

( fr. 9) Na verdade nós não sabemos nada precisamente, mas somente quando isto produz mudanças na disposição de nosso corpo, e das coisas que nele entram e o impingem.

( fr. 117) Nós não sabemos nada verdadeiramente porque a verdade se encontra escondida nas profundezas.

E agora o famoso diálogo entre o intelecto e os sentidos:

( fr. 125) Intelecto: Doce é uma convenção e amargo é uma convenção, quente é uma convenção, frio é uma convenção, cor é uma convenção; na verdade só há os átomos e o vazio.
Os Sentidos: Pobre mente! De nós você está tirando as evidências com as quais você quer nos derrubar? Sua vitória será sua própria queda.

Figura i.f – A Câmara de Nuvens também conhecida como Câmara de Wilson(1) é usada para detectar partículas de radiação ionizante. Na sua forma mais básica a câmara consiste de um ambiente isolado contendo vapor d´água supersaturado e superesfriado. Quando uma partícula alfa ou beta interagem com esta emulsão, ela ioniza estas partículas. Os íons resultantes atuam como agentes nucleantes do vapor de água. A alta energia de partículas alfa e beta deixam rastros porque muitos íons são formados ao longo da sua trajetória. O formato do rastro dependerá do tipo da partícula sub-atômica: partículas alfa deixam rastros largos e retos enquanto os rastros deixados por elétrons são finos e mostram evidências das deflexões sofriadas por eles.