i.5. A Idéia dos Átomos

Demócrito era intensamente interessado em geometria, não um mero entusiasta como Platão (1); era um geômetra de renome. O teorema que diz que o volume de uma pirâmide ou de um cone é um terço do produto de sua base pela altura é de sua autoria. Para ele, que sabia cálculo, isso era lugar-comum, mas já encontrei bons matemáticos que tiveram algum problema em recordar a prova elementar que aprenderam no Ensino Básico austríaco.
Demócrito não poderia ter chegado ao teorema sem usar, em uma etapa ao menos, um substituto para o cálculo, como fazem ou faziam os estudantes do ensino básico austríaco, usando o princípio de Cavalieri (2), pelo menos na Áustria (3)). Demócrito teve uma reflexão profunda sobre o significado e as dificuldades dos infinitesimais – um paradoxo interessante que ele, obviamente, deve ter enfrentado ao refletir sobre a resolução do teorema. Considere que um cone é cortado por dois planos paralelos a sua base; os dois círculos produzidos pelo corte (o círculo menor acima e o maior abaixo, mais próximo da base) são iguais ou desiguais? Se desiguais, e como isso vale para todos os possíveis planos que cortassem o cone, a parte ascendente da superfície do cone não seria lisa, mas coberta de pequenos degraus. Se você disser que são iguais, então, pela mesma razão, isso não significaria que todas as seções paralelas são iguais e, assim, que o cone é um cilindro?
Disso e dos títulos dados a dois outros escritos (“Sobre a diferença de opinião ou o contato de um círculo e de uma esfera” e “ Sobre linhas e sólidos irracionais”) tem-se a impressão de que Demócrito finalmente chegou a uma clara distinção entre os conceitos geométricos de um sólido, uma superfície ou uma linha, com as propriedades bem definidas (por exemplo, uma pirâmide, uma superfície quadrada ou uma linha circular), e, de outro lado, a realização mais ou menos imperfeita desses conceitos num corpo físico. Platão, um século mais tarde, vislumbrou a primeira categoria entre suas “idéias” (4); os conceitos de Demócrito não eram, acredito, os protótipos dos conceitos de Platão. Neste último, a coisa embaralhou-se com a Metafísica.
Junte-se a isso o fato de que Demócrito não só conhecia as teorias dos filósofos jonianos (5), mas também pode-se dizer que ele deu prosseguimento àquela escola filosófica. O último dos filósofos jônicos, Anaxímenes, propôs, em pleno acordo com o ponto de vista contemporâneo, que as mudanças momentâneas observadas na matéria são somente aparentes e devido aos fenômenos de rarefação e condensação da matéria.
Mas tem sentido dizer que a matéria não muda, se cada pedaço dela, por menor que seja, é diluído ou comprimido?
O geômetra Demócrito foi competente para conceituar este “por menor que seja”. A maneira óbvia é pensar que todo corpo físico é, de fato, composto de inúmeros corpos pequenos, que permanecem sempre imutáveis, pois, quando o material se dilui é porque eles, os corpos pequenos, ficaram longe uns dos outros; e o material se condensa quando eles se agregam muito próximos entre si, num volume pequeno. Para que isso ocorra, dentro de certos limites, é necessário que o espaço entre eles seja vazio, isto é, não contenha nada. Ao mesmo tempo, a integridade das assertivas geométricas puras pode ser salvaguardada, justificando-se os paradoxos e os desafios colocados pelos conceitos geométricos, como resultado de realizações físicas que são imperfeitas.
A superfície de um cone real, ou de qualquer corpo real, não é de fato lisa, porque a camada de átomos da superfície é cheia de vazios e protuberâncias entre eles. O filósofo Protágoras (6) (que levantou desafios desse tipo) propôs que uma esfera real, em repouso, em um plano real, não deve ter apenas um ponto de contato com ele, mas sim uma pequena região inteira de quase contato. Tudo isso, porém, não impede a exatidão da geometria pura. Que tal fenômeno era percebido por Demócrito, pode ser inferido de uma observação de Simplício (7), o qual nos diz que, segundo Demócrito, seus átomos são fisicamente indivisíveis, mas são, no sentido matemático, divisíveis ad infinitum.

Figura i.e – Teorema de Demócrito.